segunda-feira, 24 de maio de 2010

Ajuste Fiscal e Tamanho de Governo

Meu filho recentemente me pediu para escrever um post sobre Ajuste Fiscal. Eu como um bom pai não vou recusar o pedido do filhão. Mas vou adaptar, tratar de ajuste fiscal aqui é pesado e não tenho tanta capacidade, vou escrever uma introdução sobre ajustes e gastos de governo. Vou tentar escrever com base no que eu já tinha, mas faz tempo que não leio sobre isso. Vou abordar o que é consenso, ou quase isso, na literatura sobre o assunto. Claro que ai entram conceitos válidos para a Terra, e não para o Comunista de Buteco World.

Mas primeiro faço um parágrafo para os afortunados que não fizeram economia. Ajuste Fiscal é basicamente o ajuste das contas públicas. Quando há desajuste se gasta mais do que se recebe. Assim, existem dois tipos de ajustes fiscais, os pela receita e os pela despesa. Pela receita, como o nome diz, é quando o governo aumenta a receita, vulga carga tributária. Pela mesma lógica, o ajuste pela despesa inclui o corte de despesas do governo.

Voltando aos consensos na literatura:

1) Os gastos dos governos no mundo inteiro vem aumento, e esse aumento é em termos percentuais. Tanzi e Shuknecht (2000) mostram que, em média, os gastos governamentais passaram de 22% do PIB nos anos 60 para 54% na virada do século. Isso implicou na necessidade de alguns ajustes pesados, como o da Irlanda na década de 80, se não me engano. Por sinal um caso de ajuste de sucesso.

2) Mas por que os gastos vem aumentando? Porque o governo gasta mal e muitas vezes pela própria essência do gasto público. Muller em seu livro, Public Choice II (2002), levanta diversas razões, entre elas a de que o governo atua para corrigir falhas de mercado, então atua em áreas onde os mercados não atuam, menos atrativas. São exemplos: saneamento e obras de infra-estrutura.

3) Uma vez que os gastos aumentam e muitas vezes as receitas não aumentam na mesma proporção, então há a necessidade de um ajuste. O problema passa ser qual ajuste realizar. O aumento das receitas ou o corte de despesas. Alesina e Perotti (1995,1997) obtêm evidências de que os ajustes fiscais têm maior probabilidade de serem bem sucedidos quando a melhora orçamentária é obtida cortando-se os gastos, especialmente os salários públicos e os benefícios previdenciários.

4) Além disso, José Tavares (2003) mostra que quando o governo possui tendências de esquerda, como no Brasil, não importa o partido, os cortes de despesas tem ainda mais chances de serem bem sucedidos. Uma vez que esses governos tendem a aumentar gastos, quando há um corte, é melhor aceito, pois é uma sinalização de que o ajuste foi realmente necessário. Caso contrário o aumento dos gastos teria continuado.

Claro que o assunto é muito mais complexo do que isso, e tem abordagens que não tratei aqui. Como a conseqüência ruim de aumento de impostos em termos de eficiência econômica, o “conto da carochinha da equivalência ricardiana”, os gastos “bons” e os gastos “ruins”, entre outros. Quem quiser tenho uma bibliografia inteira sobre isso. Apesar de ter certeza que ninguém vai querer, eu mesmo não agüentei.

Mas o importante mesmo é que o Mundo está vendo que o modelo de gastança não é bem sucedido. A Europa, com seu Estado de Bem Estar, está com dívidas colossais e todos falam em cortar gastos. Mas num longínquo país, um da marolinha, os deputados decidem acabar com o fator previdenciário e dar um reajuste de 7% aos aposentados. O fator previdenciário foi responsável por uma queda forte na tendência de alta do déficit da previdência, sem ele a coisa estaria muito pior (figura abaixo). Mas afinal, de que isso importa, temos o pré-sal, que ninguém sabe como furar, mas está lá.

Para ilustrar, adaptei do 2º pai da Lu, o Bernardo, uma ilustração do que seria o déficit da previdência sem o fator previdenciário. As projeções originais vão até 2021, mas fiz um corte para 2016, ano das Olimpíadas na cidade maravilhosa.

O Brasil está crescendo, e tem que decidir se vai investir na aposentadoria dos velhinhos ou na educação das criancinhas (tentei parecer um jornalista). Tem que decidir se gasta mais ou poupa. Tem que decidir se quer esquerdismo que apóia o Irã ou um governo descente.

Se você ficou com as primeiras opções, a mão na sua cara! E viva o mestre William...

11 comentários:

Ronaldão disse...

Ta na hora de começar a cortar gastos antes que tenhamos que cortar pra não quebrar, vide Grécia.

Aposentadorias exorbitantes, salários públicos altíssimos (que em nada implicam eficiência), obras superfaturadas, etc.... Têm que acabar.

...usar dinheiro pra infra-estrutura e não construir estádios (como o de Basília pra 60 mil torcedores!(...onde já se viu isso))

e se for pra pagar muitos impostos como hoje, que eles sejam bem empregados e fáceis de pagar.

A mão na cara da ineficiencia dos gastos e da burocaracia!

Gari disse...

Coincidência ou não (talvez eles tenham lido aqui hahaha) a Exame dessa semana traz na capa o título "O mundo Vermelho". Se está pensando que é sobre socialismo, se deu mal comunista de buteco. Se trata dos deficits altíssimos de alguns países.

Vou repassar aqui alguns dados. (Estou para cometer um erro, usar como fonte os dados de um jornalista, mas não vou conferir todos)

Relação Deficits/PIB:
EUA: 87,5%
Canada: 81,2%
Islândia: 111,3%
Bélgica: 100,9%
Grécia: 125,6%
Itália: 117,7%
Japão: 214,3%
Líbano: 147,6%
...

De assustar ne

Lu disse...

Adorei a aula e principalmente o corte do gráfico em 2016!

Má disse...

Gari, achei seu post mto legal, a aula de ajuste fiscal então, nem se fala! Mas discordo em alguns pontos: quando você critica o Estado de Bem-Estar Social europeu, acho que você generalizou demais, considerando que este foi o principal motivo para a necessidade de ajuste fiscal. Vários países, como os escandinavos, são pioneiros no Estado de Bem-Estar e, nem por isso, estão realizando ajustes fiscais como os dos Pigs (Portugal, Itália/Irlanda, Grécia, Espanha). Na minha opinião, não é o Estado de Bem-Estar, conceitualmente, o responsável pelo desequilíbrio fiscal pelo qual passam esses países, mas sim o desenho desse Estado de Bem-Estar. Enquanto na Dinamarca, por exemplo, os benefícios sociais são mantidos às custas de uma alta carga tributária, na Itália esses são financiados às custas de endividamento público.
Outro ponto que você mencionou, e que discordo, é o trade off entre o investimento em educação e o pagamento de benefícios previdenciários. O governo terá que continuar gastando uma parcela considerável do orçamento público com os idosos, se não através da previdência, através do SUS, já que a proporção de idosos na população está crescendo consideravelmente. É claro que seria muito melhor, para as contas públicas, se o sistema previdênciário fosse baseado na capitalização (e o fator previdênciário é o mais próximo disso), mas, infelizmente, não é. Dificilmente algum governo irá propor uma reforma previdênciária que acabe com os atuais benefícios, ou ao menos diminua-os, já que o percentual de pensionistas do INSS na população brasileira é significativo, e representa fatia considerável do eleitorado. Porém, o gasto em educaçãoa, apesar de muito aquém do necessário, dificilmente é prejudicado pelo sistema previdênciário. Apesar das conquistas recentes do sistema público, como a cobertura quase total, os gargalos na educação infantil e no ensino superior ainda são o principal problema (na minha opinião) da educação no Brasil, e gastos maiores não necessariamente significam maior eficiência (ao contrário, algumas experiências internacionais na educação infantil mostram que programas relativamente baratos apresentam retorno muito alto). O ideal seria que tanto os gastos em educação como os gastos em previdência fossem melhor alocados, mas aí é pedir demais, né? Ainda mais em ano eleitoral...

Gari disse...

Ma, obrigado! Até que enfim alguém discordou e vai da pra discutir!

Não conheço muito bem a economia escandinava, mas sei que a Dinamarca não está na zona do euro, não tem imigrantes latinos e africanos como os Pigs, e gasta melhor. Mas se você está falando que lá da certo, tudo bem.

E para mim existe trade off entre aposentadoria e educação sim. Não só educação, claro, mas outras áreas também. Os benefícios previdenciários são 20% das despesas do governo enquanto gastos com manutenção e desenvolvimento do ensino 3%. Mantendo apenas o reajuste sobre a inflação e reduzindo a folha de pagamento já seria suficiente para reduzir as despesas da previdência em termos percentuais. Uma redução de 1% em 2009 sobre os benefícios significaria uma economia de R$ 2 bi no orçamento, e isso já representaria um aumento de 6% na verba da educação.

E como falei, ajustes exigem sacrifícios, melhor sacrificar a verba de inativos do que a da educação, ciência e tecnologia, infra-estrutura... Mas não tem como, todo mundo fica um pouquinho mais pobre. Todos temos que pagar pelos excessos de antes.

Boi disse...

Post muito bom filhão. Concordo com seus pontos. Abs

Má disse...

Ari,

é claro que a situação da Dinamarca não é muito parecida com a dos Pigs nesses pontos que você mencionou, mas colocar a culpa nos imigrantes não é cabível, já que esses, em grande parte, estão à margem do sistema de bem-estar social, e não são responsáveis pela sua situação deficitária (não majoritariamente, pelo menos). O problema é que o gasto é exagerado mesmo, a aposentadoria acontece muito cedo, a jornada de trabalho é de quase meio expediente e a produtividade desses trabalhadores ainda é baixa, se comparando com outros trabalhadores de países que também fazem parte da União Europeia. Quanto à economia da Dinamarca, dá certo mesmo (ano passado tive que pesquisar muito sobre isso pra um trabalho de Política Europeia), é impressionante como um ambiente institucional regulado, uma economia forte e pouquíssima corrupção fazem com que o governo seja capaz de prover benefícios à população.
Quanto à presença na zona do Euro, concordo com o que vcs publicaram algumas colunas atrás, que de fato a moeda única inibe a utilização de alguns mecanismos de política cambial que poderiam ajudar os Pigs a enfrentarem a crise fiscal, mas acho que esses países foram, provavelmente, os que mais se beneficiaram da utilização da moeda única (em comparação com um país que já tinha uma moeda forte antes da adoção do Euro, como a Alemanha), e que o fato de que, justamente eles, sejam responsáveis pelo enfraquecimento da moeda é, no mínimo, muito irônico.
Por fim, eu concordo com o que você disse quanto à realocação do orçamento público em vista de uma diminuição nos gastos previdenciários (no sentido de que seria excelente pro orçamento), mas mantenho meu ponto de que não há um trade off explícito: pra mim, a determinação do gasto passa muito mais pela esfera política, e a necessidade realmente não é levada em conta, por isso é importante tornar os recursos já existentes mais bem gastos (determinar o que é um bom gasto já é outra história). Explico: como gastos em educação demoram muito mais do que um ou dois ciclos eleitorais para se mostrarem palpáveis, de fato (não que o gasto não seja útil já quando começa a ser realizado) o investimento em educação dificilmente aumentará tão significadamente, caso a previdência dê uma folga pro orçamento da União. É muito mais provável que o governo direcione essa diferença para gastos com infra-estrutura ou com novas contratações. No fim das contas, encontrar alguém que tope fazer uma reforma na previdência e que tenha poder pra tal, na minha opinião, é o mais difícil. Acho que é mais fácil o Dunga ganhar a copa com o Grafite no lugar do Kaká.
Bom, acho que já escrevi demais!

Gari disse...

Ma,

acho que no final estamos concordando. Sim, o preço político e a falta de representação (graças a Deus) de estudantes fazem com que seja difícil a melhora dos investimentos em educação. É politicamente custoso apoiar isso. Concordo com você. Mas o que eu quis dizer foi que isso não elimina o argumento de que os gastos são ruins, é apenas uma justificativa para meu argumento. Estou errado? Gastos crescentes com inativos não é bom, isso eu acho que não tem que discorde. Até mesmo senadores e deputados sabem disso, mas tem que defender o reajuste por questões políticas.

E quanto a questão da Dinamarca prometo ficar quieto. Mas só um ponto, muitos imigrantes é péssimo. Pensa que a maior parte está no setor informal, sem contribuir, mas fazem uso dos sistemas de educação, saúde, transporte... haja eficiência para sustentar o Bem-Estar deles.

Má disse...

hahahahaha Ari, eu não disse q eu sou autoridade quanto à Dinamarca, só falei que ler um bocado pra entender como as coisas funcionam lá, pra escrever o trabalho!
Acho que, no fim das contas, concordamos no geral, né?

Modes disse...

Rapaz, não sabia que as aulas do mestre wiliam faziam bem assim. Bacana o post, muito claros os argumentos por sinal...

Ao ler a discussão deu saudades das propostas do Cristóvam Buarque acerca de educação. Uma pena que não é pacífica adoção destas políticas. Ela realmente têm um custo político elevado. O imediatismo ainda vai matar o mundo (vide devastação do planeta a preço de banana, querer colocar o ganso e o neimar na copa, etc etc).

Concordo com a pupila do Rios Neto quando diz que o problema maior da educação seja a alocação do gasto e não seu montante.

ps: nada a favor do político supracitado, mas sim de suas propostas.

Ronaldão disse...

E me vem o Lula na imprensa justificar a grande carga tributária.

Deveríamos mandar esse post pra ele.